Introdução e Objetivo
O transtorno do espectro autista (TEA) é complexo e de longa data do neurodesenvolvimento, que manifesta-se com sensibilidade acentuada à mudanças sociais ou ambientais, com rigidez cognitiva e déficits de comunicação. É considerado uma condição comum, de padrões repetitivos, inflexíveis de comportamento, interesse e atividades (YAHNYA, KHAWAJA, 2020; AMEIS et al., 2020). Paralelo a esses fatores, a pandemia mudou e está mudando a forma como a comunidade local e a sociedade global operam, vários fatores intimamente associados ao ajuste pessoal e ao ambiente demandam mais compreensão das famílias na manutenção do equilíbrio entre as necessidade dos autistas e a imprevisibilidade da pandemia (AMARAL, DE VRIES, 2020; AMEIS et al., 2020).
As mudanças provocadas por este momento levam à inúmeras incertezas e angústias, afetam a saúde mental e o bem estar dos indivíduos autistas e familiares, resultando no aumento dos desafios, que é agravado pela interrupção dos serviços de atendimento à saúde. Em conjunto, podem piorar a saúde mental dos indivíduos autistas e reduzir o acesso aos cuidados, podendo parte dessa piora ser irreversível (AMEIS et al., 2020).
Apesar das dificuldades, a telemedicina pode ser uma ferramenta eficaz de tratamento ao paciente, de ensino e suporte aos pais, desde que aplicada de forma controlada e adequada, principalmente para os autistas que possuem afinidade com ferramentas eletrônicas (ESHRAGHI et al., 2020).
A importância do tema é respaldada no fato de que o TEA, em um cotidiano normal, já implica vários desafios de comunicação e rotina e, no cenário encontrado na pandemia houve uma brusca mudança de vida, ressaltando tanto as adversidades para essas pessoas como também incentivando novas formas de se aplicar o cuidado à saúde.
Portanto, o objetivo deste é discutir os impactos da suspensão das atividades, dos serviços de apoio e dos demais setores sociais sobre a saúde mental e o bem estar dos indivíduos autistas e seus familiares.
Metodologia
A metodologia utilizada neste estudo trata-se de uma revisão narrativa cuja base de dados utilizada foi o PubMed. A etapa da pesquisa por artigos foi realizada por meio da utilização dos seguintes descritores em saúde “Autistic Disorder”, “Coronavirus Infections” e “Pandemics”, junto com o operador booleano “AND”. Dentre os critérios de inclusão foram utilizados somente artigos originais publicados a partir de 2019 e que atendessem ao objetivo da revisão. O critério de seleção utilizado englobou a leitura e análise crítica do título e resumo dos artigos encontrados para análise dos critérios de elegibilidade. Nos resultados da busca no PubMed foram encontrados, no total, 6 artigos, dos quais, 2 foram eliminados por não discutirem o tema de abrangência ou por ainda serem hipóteses não comprovadas. Referências de artigos cruzados também foram analisadas para integrar o estudo, no entanto, não foram incorporados por não cumprirem diretamente o objetivo ou o critério de inclusão deste resumo. Como critério de exclusão, foram removidos do presente trabalho qualquer estudo com data de publicação anterior a 2019, artigos de revisão, relatos de caso ou que não atendessem ao tema proposto.
Resultados
A discussão sobre os impactos da pandemia em portadores do espectro autista é densa e ainda não totalmente esclarecida. São diversos os fatores que podem impactar na saúde mental e na dinâmica sociofamiliar, podendo, até mesmo, ser atribuído a certas particularidades de cada família e de cada paciente. Dentre esses fatores, o que mais se destaca é a rotina, a relação com o cronograma, as atividades repetitivas, o uso exacerbado de dispositivos eletrônicos e o déficit dos serviços dedicados a essas pessoas.
A desordem do espectro autista caracteriza-se por uma grande associação com ansiedade, depressão, déficit de atenção e de comunicação social, estrita afinidade com comportamentos diários e repetitivos, sendo que a quebra desses hábitos leva a um prejuízo à saúde, ao condicionamento físico, fatores familiares e a alimentação. Por exemplo, há relatos de que em alguns casos, a forte necessidade de uniformidade e aderência à rotina são fatores determinantes no processo saúde-doença, tal que indivíduos com restrição alimentar, quando privados de certos alimentos, em decorrência da dificuldade de transporte ou produção, podem desenvolver desnutrição, intensificação dos problemas gastrointestinais e a redução da ingestão de alimentos. Outra característica intrínseca refere-se a dificuldade na prática de atividades físicas, uma vez que com o distanciamento social e o fechamento dos serviços durante a pandemia, tem sido um fator comprometedor na rotina e também na saúde dos portadores de TEA, pois é importante ressaltar que indivíduos autistas possuem maior taxa de obesidade (ESHRAGHI et al., 2020; AMEIS et al., 2020).
Além disso, durante a pandemia, é extremamente desafiador regular o tempo despendido em dispositivos eletrônicos, como smartphones, tablets, computadores e videogames, já que grande parte dos autistas possuem maior afinidade por esses equipamentos (YAHNYA, KHAWAJA, 2020).
O TEA é estereotipado, em grande parte, pela realização de atividades repetitivas e, durante a pandemia, essa frequência pode aumentar. Essas consequências podem ser manifestadas com a restrição das rotinas, das redes sociais e da comunicação cara-a-cara por meio do estresse, da raiva e dos comportamentos desafiadores mal-adaptativos. No entanto, estes sinais não são necessariamente patológicos. Muitas escolas, centros de serviços psiquiátricos e de suporte interromperam seus serviços. Essas organizações, geralmente, melhoram o desenvolvimento psicológico e o bem estar desses pacientes, apoiando as habilidades adaptativas, comunicativas e comportamentais. Com a paralisação dos serviços, muitos autistas podem regredir em seus desenvolvimentos, ou até mesmo afastar-se da sociedade, e, quando os serviços retomarem as atividades, pacientes autistas podem ter dificuldades na readaptação (AMEIS, ET AL, 2020).
Dependendo do grau de gravidade do espectro autista, pode ocorrer uma grande dificuldade em compreender o que está ocorrendo, levando a não aderência ao uso de máscaras, álcool em gel e o respeito ao distanciamento, tornando os pacientes com TEA mais susceptíveis à infecção por coronavírus. Assim, em casos de contaminação, é necessário atendimento específico e realização de testes em domicílio. Além disso, outra grande obstáculo ocorre em casos mais graves, quando o indivíduo com o espectro autista precisa ser hospitalizado e, como a maior parte do atendimento a COVID-19 em hospitais ocorre em alas separadas que não permitem visitações, isso poderia causar a piora do prognóstico devido aos transtornos emocionais e comportamentais dos portadores de TEA. Portanto, a recomendação é que sejam respeitadas as exceções nestes casos e que seja permitido a presença do acompanhante durante a estadia hospitalar (ESHRAGHI et al., 2020).
Por outro lado, com o advento da pandemia houve um grande aumento do uso da telessaúde para atender aos indivíduos portadores de TEA. Através da tecnologia, da avaliação e da prestação de cuidados à distância, o acesso ao atendimento de pessoas que estavam em filas de espera foi favorecido. Além disso, os cuidadores puderam ter a oportunidade treinar intervenções de melhoria no comportamento e na habilidade de comunicação das pessoas com esse transtorno. Entretanto, apesar de ter facilitado o acesso e diminuindo filas, é importante destacar que o diagnóstico para o TEA não se trata de uma mera análise formal realizada através de testes e observações de comportamento, mas trata-se de um diagnóstico inconclusivo que visa a oferta de intervenções e apoio adequados ao bem estar do paciente (AMEIS et al., 2020).
Considerações Finais
O impacto da pandemia na vivência e na rotina dos portadores do espectro autista é inegável. No entanto, dentro dessa discussão existem dois lados: um em que as adaptações foram bem sucedidas e, outro, que foram devastantes. No âmbito escolar, a paralisação das aulas podem ser benéficas para aqueles que julgavam o ambiente escolar como estressor. Já para outros, esse distanciamento pode ser prejudicial, pois o universo escolar era considerado como uma saída para realizar maior interação social e de desenvolvimento da comunicação, além do amplo suporte profissional oferecido por esses ambientes. Dessa forma, a proximidade familiar, o apoio psicopedagógico e médico em tempos de pandemia são cruciais para garantir a qualidade de vida e o bem estar do paciente portador do espectro autista e de seus familiares.